A comunicação médica e científica na era da infodemia

Há quanto tempo se comunica ciência?

Comunicar ciência é uma atividade tão antiga como a própria ciência. No antigo Egipto, a escrita hieroglífica e o desenvolvimento do papiro permitiram o registo de conhecimentos matemáticos, médicos e arquitetónicos. Mais tarde, os debates públicos na Grécia antiga democratizaram o acesso ao conhecimento e fomentaram o desenvolvimento da experimentação e da ciência e da filosofia. Em museus de todo o mundo podem ser encontrados documentos históricos que ilustram a necessidade de registar, transmitir e comunicar o conhecimento adquirido.

Com o desenvolvimento da imprensa no sec. XV, a transmissão de conhecimento simplificou-se, mas era ainda reservada a uma faixa privilegiada da população. Segundo a Royal Society of London, em 1665 surge a primeira revista científica, a Philosophical Transactions. Esta publicação revolucionou a comunicação científica, catapultando conceitos como a revisão por pares (peer review) e o arquivo científico, comuns à grande maioria das cerca de 30 000 revistas existentes atualmente. Apesar destes avanços, só no sec. XIX, com o aumento das taxas de alfabetização, surgiu a divulgação intencional de avanços científicos à população em geral, abrindo caminho para os conceitos atuais de literacia científica e de saúde e de comunicação em saúde.

 

A quem e como se comunica ciência?

Atualmente, a comunicação de resultados científicos dirigida à comunidade científica recorre sobretudo a:

  • artigos científicos
  • livros técnicos e científicos
  • apresentações em eventos científicos

A comunicação científica na vertente educacional dirigida à população em geral (incluindo doentes) decorre essencialmente através de:

  • documentos desenvolvidos para campanhas de informação e sensibilização
  • peças jornalísticas (notícias, reportagens e documentários)
  • plataformas digitais e websites.

 

Em particular, a informação decorrente da investigação biomédica é a base do conhecimento clínico e científico e apresenta-se como um elemento-chave no processo de introdução no mercado de medicamentos e dispositivos médicos inovadores e com um perfil de qualidade, segurança e eficácia adequados. Nas últimas décadas, a comunicação de resultados de estudos clínicos tornou-se tópico de debate no seio da comunidade científica e editorial existindo, atualmente, um conjunto de recomendações a seguir durante a conceção de documentos científicos para publicação.

Neste contexto, e considerando quer as exigências regulamentares quer o aumento da literacia em saúde da população em geral, a comunicação em saúde tem, igualmente, sido alvo de aperfeiçoamento e especialização.

 

Da pandemia à infodemia

Não obstante, os últimos dois anos de crise pandémica geraram desafios e deram realce a questões previamente existentes relativamente à comunicação científica junto da população em geral, num ambiente pautado por uma forte politização das decisões na área da saúde. Neste período, assistimos a um aumento exponencial da desinformação e de notícias falsas, ao mesmo tempo que se disponibilizava à comunidade um fluxo constante de informações técnicas complexas, frequentemente de forma prematura e não passível de integração pela maioria das pessoas. A OMS veio a considerar que, em paralelo com a pandemia de COVID-19, se assistiu a um fenómeno designado por infodemia (do inglês infodemic) que foi definido como a divulgação de um volume não usual de informação (incluindo informação falsa), em formato digital ou físico, relativamente a um assunto de saúde ou doença. Este fenómeno, que foi grandemente facilitado pela expansão das redes sociais da última década, tem sido debatido e analisado e gerou uma onda de desconfiança nas instituições, investigadores e até na própria investigação científica. A comunidade médica e científica viu-se numa situação quase sem precedentes na qual doentes e população saudável passaram a assumir opiniões e posicionamentos que de alguma forma contrariavam as recomendações das entidades de saúde.

 

Informação vs confiança

É, portanto, urgente agir de forma concertada no sentido de:

  • recuperar a confiança da população na investigação científica
  • identificar estratégias de harmonização da conduta relativamente à comunicação de resultados científicos à população em geral
  • implementar programas de educação em saúde, baseados na evidência científica, que possam dotar a população de conhecimentos de base na área da saúde e de capacidade para triar informação neste contexto.

 

O medical writer: verdade científica na ponta dos dedos

Este processo de redefinição do modelo de comunicação de resultados de investigação biomédica é multidisciplinar e exige o envolvimento de profissionais e técnicos das áreas:

  • médica (médicos, enfermeiros e gestores instituições de saúde)
  • farmacêutica (farmacêuticos e técnicos de farmácia)
  • comunicação (medical writers, jornalistas e outros profissionais da comunicação social).

Em particular, o medical writer, devido às suas competências técnicas de redação e à sua formação de base científica, surge como um elemento-chave neste processo, podendo, em colaboração com jornalistas, investigadores, instituições de saúde e decisores políticos, garantir a adaptação, triagem, simplificação, clarificação e a apresentação rigorosa dos conteúdos a divulgar à população em geral com o objetivo de contribuir para decisões informadas e conscientes para a saúde.

De uma forma geral, a mudança de paradigma relativamente ao recurso a profissionais especializados para a redação de documentos científicos é uma realidade em curso, que a curto prazo resultará num aumento da qualidade das publicações científicas e da literacia em saúde, garantindo que a verdade científica chegue a diversas audiências em formato acessível e passível de interpretação e integração.

 

Se considera esta temática relevante e quer alargar a sua discussão, deixe os seus comentários em baixo ou contacte-me.

 

Até breve!
Paula Pinto

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Uma resposta

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Paula Pinto

Medical Writer e Consultora licenciada e doutorada em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto.

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