Autoria, medical writing e ghost writing: o seu a seu dono.

Os avanços e crescimento global da investigação biomédica e da investigação científica em geral têm vindo a traduzir-se em competitividade acrescida e agendas sobrelotadas para investigadores, outros elementos das equipas de investigação e profissionais do mundo editorial. Neste contexto, a divulgação dos resultados de projetos de investigação, para além de ser validada por critérios cada vez mais exigentes, tornou-se uma atividade com regras definidas e exigências editoriais e linguísticas específicas. Não é, por isso, surpreendente que, ao longo das últimas décadas, a redação de documentos científicos tenha passado a ser olhada como uma atividade para a qual é necessário ter e/ou adquirir competências específicas.

 

A profissionalização da comunicação científica e da escrita médica

Graças às particularidades da comunicação científica e da escrita médica e à sobrecarga de trabalho a que estão sujeitos os diversos elementos das equipas de investigação, estas tarefas começaram a ser tendencialmente alocadas a elementos da equipa mais “dotados” para o efeito. No entanto, as exigências crescentes em termos de formatação dos documentos, referenciação e peer review tornaram a redação de documentos científicos um desafio para os profissionais sem formações específica na área e que conjugam esta atividade com outras da sua rotina profissional.

Este conjunto de desafios propiciou o surgimento da atividade profissional atualmente denominada de medical writing. Esta atividade envolve profissionais com formação académica na área das ciências da saúde e competências técnicas específicas e que se dedicam exclusivamente à redação de documentos científicos relacionados com projetos de investigação biomédica, na sua vertente regulamentar ou de mera comunicação/educação.

 

Medical writing ou ghost writing: afinal quem escreveu?

Atualmente, o papel e o envolvimento de medical writers na redação de artigos científicos, para publicação em revistas com revisão por pares, é já reconhecido e está previsto pela grande maioria das revistas na área biomédica, havendo já normas relativas à referenciação desse tipo de colaboração. Considerando que o medical writer não tem envolvimento suficiente na conceção e operacionalização do projeto de investigação para fazer parte da lista de autores de uma publicação científica (recomendações do ICMJE), de uma forma progressiva, as revistas científicas começaram a incluir, nas normas para publicação, indicações acerca da obtenção de informações relativas ao envolvimento de medical writers no processo de redação e submissão, da inserção de referência ao colaborador e até da autorização do medical writer para que o seu nome seja incluído no documento.  No entanto, há evidências de falta de transparência na forma como alguns autores gerem o relacionamento profissional e a colaboração com o medical writer. Esta situação deriva, certamente, de preconceitos instalados relativos ao poder autoral que se tornaram relevantes devido à elevada competitividade nestas áreas.

Diversas publicações e entidades têm vindo a referir-se a ghost writing como uma atividade em que um medical writer ou outro profissional não incluído na lista de autores, apesar de fornecer apoio na redação de um documento, não é referido ou reconhecido em nenhuma secção do mesmo, sendo a sua colaboração deliberadamente ocultada. Durante a leitura do documento, editores, revisores e leitores assumem erroneamente que o documento foi escrito exclusivamente pelos autores, sem apoio de um profissional exclusivamente dedicado a essa atividade. Este tipo de colaboração pouco transparente tem levantado questões éticas que merecem ser discutidas no sentido de tornar o apoio de medical writers (na preparação de conteúdos científicos) uma realidade aceite e reconhecida globalmente pela comunidade científica, com a devida visibilidade.

 

Afinal, quem “manda” aqui?

Estando esclarecida a questão do reconhecimento da colaboração do medical writer, persistem outras questões éticas relacionadas com o modelo de colaboração adotado e que acabará por refletir a responsabilidade das várias partes envolvidas: autor para correspondência, co-autores e medical writer. A discussão da responsabilidade das várias partes deve assentar no pressuposto de que os autores são os responsáveis pelo conteúdo científico do artigo, qualquer que seja o cenário. Não obstante, havendo colaboração de um medical writer, compete a este garantir que as metodologias, resultados e discussão do estudo são apresentados em formato adequado, obedecendo às normas de boas práticas de redação científica e às regras gramaticais vigentes, em colaboração estreita com os autores e espelhando sempre o posicionamento científico destes. Adicionalmente, o medical writer deve assegurar que o planeamento da redação do documento e a posterior partilha de informações decorrem de uma forma estruturada, num ambiente de total transparência e de envolvimento dos autores em todas as tomadas de decisão e nas várias fases de revisão do documento em causa.

O recurso a um medical writer não garante, por si só, o sucesso de uma publicação, mas poderá aumentar a clareza do documento e assegurar o seu rigor linguístico, estrutural e científico, para além de diminuir o tempo de resposta da revista e facilitar o processo de peer review. É expectável que a colaboração entre investigadores e medical writers, ou mesmo a inclusão de medical writers como elementos de equipas de investigação, possam, num futuro próximo, ser consideradas práticas comuns e sejam vistas como processos simbióticos em que todas as partes, incluindo a comunidade científica, são devidamente reconhecidas e beneficiadas.

Se considera esta temática relevante e quer alargar a sua discussão, deixe os seus comentários em baixo ou entre em contacto.

 

Até breve!
Paula

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Paula Pinto

Medical Writer e Consultora licenciada e doutorada em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto.

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